Os usuários do Centro de Orientação Psicossocial (Caps) Perdizes chegam ao Museu Paulista da USP, o Museu do Ipiranga, ansiosos para ver o que lhes foi descrito pela monitora Andrea Matos da Fonseca, em visita a eles na instituição que freqüentam. Agora, o grupo formado por homens e mulheres com idades entre 20 e 70 anos é recebido por ela para conhecer a exposição O Universo do Trabalho no Museu Paulista.
Um pouco da história da mostra e do local já tinha sido contada por ela previamente, por meio de objetos, na sua ida ao Caps. A visitação monitorada, com roteiro específico e preparação prévia do grupo, faz parte do Programa de Inclusão para Público Especial do Museu Paulista, que atende adultos e crianças com necessidades educativas especiais. A iniciativa tem o propósito de garantir atenção direcionada às necessidades de pessoas com deficiência intelectual, física, visual, auditiva ou múltiplas, distúrbios psicossociais e problemas de dependência química.
A preparação do grupo funciona como um laboratório. Nessa etapa é feita uma avaliação da expectativa dos futuros visitantes, com o intuito de lhes proporcionar, com a monitoria, facilidade de acesso físico e intelectual às obras do museu. Andrea explica que as peças levadas até eles constituem o acervo didático. São objetos antigos, similares aos do museu, adquiridos em antiquários e brechós: porcelanas, castiçais, estribo, peças de vestuário, como bengala e casquete, fôrmas (de tijolos, de queijo), máquina fotográfica, entre outras.
"Nós usamos esses objetos para instigar a curiosidade e antecipar uma idéia do que vai ser visto para poder conhecer as expectativas sobre ela", explica. Segundo a supervisora do Serviço de Atividades Educativas do Museu, a historiadora Denise Peixoto, o programa se fundamenta na construção de relações crítico-reflexivas com a realidade, o que significa valorizar a sensibilidade e a observação em vez de ressaltar a informação histórica de conteúdo didático.
"Procuramos destacar aspectos referentes à vivência, por meio de questionamentos como sobre os motivos de se construir um prédio como esse, a importância de preservá-lo e de expor coisas nele", explica Denise. "São detalhes que despertam sentidos muito particulares. Percebemos aqui que os toca muito mais o campo afetivo do que o cognitivo", observa a historiadora.
O auxiliar de enfermagem Odair Aquino, que acompanha o grupo, diz que o resultado de atividades como a visita ao museu é ótimo. "A maneira como eles são recebidos aqui ajuda para que não dispersem, já que se trata de pessoas bastante ansiosas, que têm dificuldade de se concentrar e se manter juntas", conta. "Eles estão adorando; se pudessem, fariam visitas como essa todos os dias", afirma Aquino.
Estagiária há um ano no Caps Perdizes, a estudante de enfermagem Poliana Pertence avalia que a inquietação característica deles no passeio foi substituída pela curiosidade. "A atividade mobiliza a observação e a indagação e os mantém longe da doença", julga.Viagem no tempo – O roteiro começa com a observação da Maquete da Cidade de São Paulo em 1841. É o início de uma viagem no tempo. Foi a atração preferida de Elaine França, de 23 anos, conforme revelou mais tarde. Ela gostou de reconhecer o Pátio do Colégio, o Teatro Municipal e a Praça da República. Por fim, o passeio mexeu com a sua imaginação. Disse se ver "como num sonho, dentro do Museu, vestida como uma princesa de azul à espera do príncipe que chega a cavalo".
A seqüência da visitação abrange a observação de peças utilizadas pelos Serviços Públicos na virada do século 19 para o 20. O carro de bombeiros da época causa sensação. É a atração preferida de vários homens presentes, que são maioria no grupo. "É totalmente diferente, muito mais bonito", observa Luiz Carlos da Silva, de 62 anos. Ele justifica a predileção pelo carro antigo: "Quando eu era criança, sonhava em ser bombeiro".
Silva conta que essa é a sua segunda visita ao Museu Paulista. Conheceu o prédio na infância, aos 10 anos. Tentando puxar pela memória se o carro já estava exposto em 1954, quando foi levado ao local pelos pais, só consegue se lembrar de seu tratamento. "Não me recordo. Não é à toa que freqüento o Caps. É por causa da minha memória fraca", alega.
A maquete do Museu Paulista, próxima parada, gera muitas perguntas. Andrea explica que o projeto original não foi seguido à risca. Previa mais duas alas, que não foram construídas. Vários "por quês" soam na sala. "Acabaram as verbas", justifica a monitora. Outra explicação: "É um dos primeiros prédios de tijolos do Estado. Eles vinham de várias partes do Brasil". "Como eram transportados?", pergunta Geraldo de Andrade, de 33 anos, presidente da associação dos funcionários e pacientes do Caps. "Com carro de boi", respondem alguns.
A caminho da próxima sala, Geraldo conta que a associação organiza passeios mensais e que no contato com o Museu Paulista teve uma boa surpresa ao saber que havia o serviço de monitoria especial. "Quase todo mundo veio, por causa da visita lá no Caps", afirma.
Na chegada ao Salão Nobre, onde se encerra a visita, a emoção toma conta de Rogério Batista, de 35 anos, ao avistar a pintura de Pedro Américo, "O Grito do Ipiranga", elaborada em 1888, já no final do Segundo Reinado. "Estou arrepiado", exclama. "Eu me vi nesse quadro. Parece que eu estou fazendo a mesma coisa que Dom Pedro, com meus amigos. "É uma imagem criada pelo artista, que quis representar com beleza o fato histórico", conta Andrea, "e não exatamente uma cópia da cena real".
Mas a empolgação não diminui por conta disso. Todos ficam com os olhos fixos no grande quadro e muitos comentam os detalhes. Para Joelson dos Santos, de 27 anos, parece uma cena de guerra. "Eles estavam lutando nesse dia? Se não tivesse a Independência, eles iam partir pro tudo ou nada", dispara.
Ao final, reunidos numa sala, conversam sobre o que cada um guardaria do museu se tivesse de escolher. As opiniões variam. Joelson e Luiz Carlos, o carro de bombeiros. Geraldo, assim como Elaine, a maquete da cidade de São Paulo. A lista continua: livros da sala onde estão fotografias, quadros.
Segundo Andrea, o ritmo da visitação sempre respeita a disposição do grupo. A monitora considera gratificante a possibilidade de oferecer essa atenção a públicos especiais. "Percebemos que as pessoas com deficiência são muito excluídas", avalia. "Aqui, eles encontram um espaço para falar de suas lembranças, de forma espontânea, que não lembre a dor", considera.Monitoria abrangente – O Serviço de Atividades Educativas (SAE) do Museu Paulista foi criado em 2001 com o intuito de garantir ao público visitante alternativas para tornar mais adequado e abrangente o contato com o acervo da instituição. Foi baseado em estudos de público que tinham o objetivo de conhecer melhor o perfil, as expectativas e as necessidades do visitante.
Essas pesquisas constataram a ausência de alguns segmentos da população paulistana na freqüência à instituição. A partir deles, pessoas com deficiências físicas, mentais, visuais, auditivas ou múltiplas, transtornos comportamentais, dependentes químicos e idosos com dificuldades físicas se tornaram públicos potenciais a reconhecer o museu como espaço de memória coletiva.
Os dados coletados revelaram ainda que a maioria do público que visita o museu tem o ensino médio completo e cursa ou já concluiu o ensino superior; 38,57% declararam renda individual superior a cinco salários mínimos e familiar acima de dez.
De acordo com a supervisora do SAE, Denise Peixoto, as ações abrangem desde as próprias pesquisas de público até a produção de materiais pedagógicos e de apoio à mediação, a participação na concepção das exposições e a elaboração de estratégias de mediação, que deram origem a vários programas, disponíveis desde o ano passado. Confira:
. Programa de Orientação para Professores – Oficinas de formação para professores da rede pública ou privada de ensino. Atende também educadores de outras instituições, estudantes universitários, profissionais de museus e de educação em geral. Os encontros são gratuitos e acontecem quatro vezes por mês, com até 45 participantes e jornada de quatro horas.
. Programa de Experiências Educativas – Destina-se à experimentação de estratégias de mediação, com o objetivo de estimular a implantação de novas linhas de ação do SAE. Atende grupos variados, de acordo com o projeto.
. Projeto Ludomuseu – Promove atividades de troca de experiências entre adultos e crianças, a partir das exposições. É oferecido para público espontâneo, em grupos formados com 15 minutos de antecedência no saguão do museu. Grupos já formados também podem participar, com agendamento prévio. Os atendimentos ocorrem todos os terceiros fins de semana de cada mês: sábados, às 10h30, e domingos, às 14 horas, com até 15 participantes.
. Programa de Inclusão para Público Especial – Atendimento direcionado a adultos e crianças com necessidades educativas especiais (deficiências físicas, mentais e distúrbios psicossociais), com roteiro elaborado para a visitação.
. Programa para Crianças em Situação de Risco Social – Direcionado, prioritariamente, para crianças em situação de vulnerabilidade social que freqüentam instituições sociais. Propõe monitoria específica para promover a apropriação de conhecimentos e a valorização do bem cultural.
. Programa de Atendimento a Jovens e Adultos – Direcionado a pessoas que freqüentam programas de educação de Jovens e Adultos, permite a apreensão dos acervos do museu de modo participativo.
Acervo educativo: acesso à arte
Entre o material elaborado especialmente para compor o acervo educativo, chama a atenção o equipamento desenvolvido para os portadores de deficiências visuais. São telas táteis, textos em braile e recursos multimídia, com narração descrevendo as pinturas.
O Serviço Educativo do Museu mantém contato com instituições de deficientes visuais que assessoraram a equipe na criação das peças. Há três telas táteis, que são reproduções em alto-relevo das originais, feitas em resina por uma artista plástica especializada. São elas: Fundação da Cidade de São Paulo e Combate dos Botocudos em Mogi das Cruzes, ambas de Oscar Pereira da Silva, e Pátio da Sé em 1862, de José Wasth Rodrigues.
Há à disposição também detalhes das telas em EVA, para identificação.
"Para nós é gratificante observá-los tendo acesso a informações que nunca tiveram", diz a monitora Andrea Matos da Fonseca. Ela conta que se emocionou ao presenciar a reação de um deficiente visual após o contato com a descrição da tela em braile: "Ele disse que nós também poderíamos aprender o código, para podermos ter acesso ao texto. Naquele momento, ele é quem quis nos incluir no seu mundo". O atendimento aos deficientes conta também com monitores que se comunicam pela linguagem Libras, de sinais.
SERVIÇO
Museu Paulista da USP
Parque da Independência, s/no – Ipiranga
Telefone 6165-8026
De terça-feira a domingo, das 9 às 17 horas
Agendamentos com o Serviço Educativo, pelo telefone 6165-8018
Simone de Marco
Da Agência Imprensa Oficial
(R.A.)
http://www.saopaulo.sp.gov.br/sis/lenoticia.php?id=83795&c=6